quarta-feira, 15 de abril de 2009

Entretantos

- Não quero mudar para outra cidade se não posso morar com você.Ele diz isso com a voz embargada.- Não faz sentido. Se nós dois estamos indo, por que pagar dois aluguéis, quando eu vou ficar na sua casa todas as noites de qualquer forma? É um desperdício. Um desperdício do meu dinheiro.- Ah, sem essa! Isso é ridículo! Eu não estou preparada para morar com você. Grande coisa. Isso não deveria mudar nada.- Não muda. Prova - ele diz, convencido, como se minha incerteza fosse motivo para orgulho dele.- Provar o quê?- Que eu amo mais você do que você me ama. Se você me amasse como eu amo você, não estaríamos tendo esta conversa.- Você sabe o quanto eu te amo? Me diga quanto. O suficiente para assar um bolo ou só um biscoitinho?- Eu sei que amo você incondicionalmente, e você não. Sei que não posso viver sem você, e você pode. Sei que eu trocaria uma carreira por você, e você não. Só isso.

Às vezes ele chora quando está dirigindo, e eu o faço parar no acostamento porque os olhos dele ficam embaçados pelas lágrimas. Eu o faço abaixar o volume da música Jane’s Addiction, porque melodias o fazem piorar, e nós paramos o carro em Seneca’s Fall. Ele gira a chave e o carro morre abruptamente. Ele me diz que se se sente seguro comigo, que não saberia o que fazer sem mim, que eu sou a única pessoa que se importa com ele, que acredita nele. Diz que se eu o deixasse algum dia, ele morreria, isso é certo. Ele se meteria no meio dos carros, encheria uma banheira ou se enforcaria. Ele diz que eu sou a única que o compreende. Estou nisso para o que der e vier? De verdade? Eu realmente o amo para conviver com seus traumas? Porque ele está doente, e eu sou a única que pode curá-lo. Irei abandoná-lo? Quando me pergunta isso, ele quer dizer durante a vida. Eu sou permanente? Porque ele precisa saber nesse exato momento…apenas digo que estou nessa para o que der e vier, para sempre.- Sim. Estou nessa pra valer.- Tem certeza? Porque você certamente não parece estar muito segura.- Tenho certeza.- Porque, se não estiver certa disso, deve me dizer agora.

Todos eles acham que eu vou ser um fracassado. Meus professores, meus antigos chefes, todo mundo. Todos acham que eu sou um desperdício. Até minha mãe acha que vou ser um vagabundo. Todas as pessoas da minha vida pensam assim, menos você.- Elas não sabem do que estão falando.- Você me amaria se eu fosse um mendigo?- Você não vai ser um mendigo.- E se minhas pernas tivessem de ser amputadas. Você me amaria se eu não tivesse pernas?- Como foi que perdeu as pernas?- Em um acidente na fazenda.- Profissão perigosa, essa.- E se fossem os meus braços? Você me amaria se eu não tivesse os braços?- Outro acidente na fazenda?- Não, esquiando.- Você é um mendigo que tem passes para esquiar - nada mau.- Tudo bem. Esquiando, não. Hum…trabalhando em uma mina.- Mina? Mas onde é que você está morando?- No Tennessee.- Tennessee? Quer morar no Tennessee?- Bem, em qualquer lugar. Eu me envolvo em um acidente de mineração e perco os braços e as pernas…- Eu pensei que havia perdido as pernas em um acidente na fazenda.- Não. Eu piso numa mina e tudo vai pelos ares. Você me amaria nesse caso?Fico em silêncio, imaginando o tronco do meu namorado.- E se eu fosse apenas uma cabeça? - ele pergunta.

Amanda Stern, Um longo lamento, (Rocco, trechos da pg. 37-109)

2 comentários:

fefa disse...

poético futurama...!
adorei!

Unknown disse...

queria sentir um pouco disso... hahahah... acho que por isso sou tão mau...hahhaha

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